domingo, 17 de abril de 2016

Impressões


Há duas semanas recebi um desafio na cadeira de produção textual: encontrar uma foto e a partir dela construir uma crônica. Sem tempo para fotografar alguma coisa interessante o suficiente – desculpa barata, especialmente morando em uma simpática cidadezinha da serra gaúcha – fui buscar em minhas antigas fotografias alguma que servisse. Dentre tantas uma chamou minha atenção. O que tem de especial? Não muita coisa. Retrata o balcão de um bar tradicional do cenário alternativo santa-mariense.
A fotografia foi feita em um carnaval comemorado ao som de samba de raiz e cerveja barata – na época artigos encontrados no dito bar, hoje o samba já não canta naquelas paredes, e a cerveja foi ‘gourmetizada’. Mas o que chama minha atenção é a mulher ali sentada naquele balcão, acompanhada apenas pelo seu copo. Vestido curto, cabelo solto, olhar perdido.
Tenho vivido muitas – e acaloradas – discussões sobre feminismo e pensado muito no que significa ser feminista. Não raras vezes sou confrontada com opiniões contrárias ao feminismo que se baseiam em argumentos acerca de relacionamento. Sobre como uma mulher deve temer estar sozinha. Sobre como devemos esperar a proteção de um homem. Sobre como seria “feio” uma mulher estar – como a moça da minha foto – sozinha em um bar tomando tranquilamente sua cerveja numa sexta feira à noite.
Sabem, honestamente sou muito afeiçoada a solidão. Quantas vezes gostaria de ser a mulher desta foto. Vestir meu vestido curto, soltar meus cabelos, ir até um bar qualquer, sentar-me sozinha ao balcão e tomar uma cerveja. Algo tão aceito para qualquer homem, mas tão complicado para qualquer mulher. Há um certo conforto em passar algumas horas sozinha observando o mundo em volta... todo barulho e confusão, e estar a parte disso.
Por fim, não sei se a mulher da foto realmente estava sozinha. Mas foi assim que retratei e que imagino esse momento. E não existe absolutamente nada de errado em estar. Não existe nada de errado em vestir o que se tem vontade. Nem em beber o que dá sede. Já diz o velho ditado: ‘a maldade está nos olhos de quem vê’. E nesse caso eu vejo cansaço. Cansaço de um mundo que está sempre vigiando e julgando, sem dar um minuto de refugio e descanso. As vezes só gostaria de ser aquela mulher...

sábado, 2 de abril de 2016

O machismo nosso de cada dia

Nessa semana discutimos dois filmes em duas cadeiras na faculdade ("Escritores da liberdade" e "O clube do imperador"), a ideia era discutir questões acerca da escolha de ser professor@ e suas implicações éticas e pessoais. No primeiro a protagonista é uma mulher jovem (interpretada por Hilary Swank) que se torna professora de uma turma marginalizada e que dá sua vida acreditando na educação daqueles jovens. No segundo o protagonista é um respeitado professor de uma antiga e imponente escola para meninos (interpretado por Kevin Kline) que acredita em determinado estudante - filho de um senador americano - considerado problemático, o que se revela perda de tempo, já que o jovem insiste em "colar".
No entanto o que chamou a atenção nos debates após o filme não foram os comentários acerca da ética ou das situações vividas por aqueles personagens enquanto professores/educadores/docentes. Passamos toda a discussão do primeiro filme falando sobre como a professora "largou" sua vida pessoal em detrimento ao trabalho e assim "perdeu" seu marido, já que ela havia encontrado realização profissional na carreira docente, coisa que ele (o marido) não havia encontrado e não conseguia aceitar nela. A culpa era de quem? Da professora, óbvio. Quem mandou se dedicar, e mais do que isso: gostar tanto do trabalho enquanto o marido não conseguia fazer o mesmo? Claro que a culpa das frustrações profissionais dele era dela! (alerta de ironia, ok?!) Ninguém pareceu reparar no sucesso que ela teve ajudando aqueles jovens, e que isso também fazia ela feliz. Como se o fato de não ter marido ao final do filme fizesse com que ela fosse infeliz, o que não era verdade. O marido dá opção pedindo que ela escolha entre ele e a profissão: se isso não é um relacionamento abusivo, então o que é?
No segundo filme, com o protagonista sendo homem, a situação foi contrária. O professor era bem sucedido na sua carreira e ninguém ousou comentar o fato de que até certa parte do filme ele sequer tinha uma esposa, e que quando enfim se casa os seus problemas profissionais o isolam totalmente dela, e isso em momento nenhum foi visto como um problema. Se, hipoteticamente falando, ela tivesse tido a mesma reação do (ex) marido da professora do outro filme certamente seria considerada “a louca que quer atrapalhar a carreira do marido e não entende o excelente profissional que ele é”.
Hoje vimos a capa da revista “Isto é” falando do “nervosismo” da presidenta Dilma, colocando a mesma no papel de louca e descontrolada, psicologicamente desequilibrada. Há alguns anos a mesma revista trouxe a capa Dunga, na época treinador da seleção, exaltando os “pontos positivos” dos seus surtos nervosos.
Enfim. Vira e mexe me perguntam “por que ser feminista”. Por um motivo muito simples: me cansa ver esses “dois pesos e duas medidas” quando se trata de avaliações de homens e mulheres. Citei apenas dois exemplos que aconteceram em um período de dois dias. A misoginia está matando mulheres todos os dias, e como futura educadora não posso aceitar que continuemos perpetuando tais preconceitos.